terça-feira, 28 de abril de 2015

O Exame de Próstata e o Estado Mínimo

Hoje, beirando os 40 anos, fiz minha primeira visita ao urologista, iniciando uma rotina que deverá se repetir, calculo que anualmente, até o fim de meus dias - que espero sinceramente ainda estar muito longe.
Não obstante a primeira parte do título do post, o médico apenas solicitou alguns exames, bem como fez e respondeu perguntas que, imagino, sejam de praxe.
Mas também tivemos tempo para trocar um ou dois comentários sobre política e economia e ele, depois de lamentar que "esse governo destruiu e país e está roubando tudo o que é nosso" (nisso me toquei que o carro estacionado na frente do consultório ostentando um grande adesivo "Fora Dilma, e leve o PT junto com você" deveria ser o dele) fez uma afirmação que, aí sim, tem a ver com a segunda parte do título: "O Estado, quanto menos, melhor".
Como estávamos ali para discutir assuntos de outra natureza, e evidentemente nenhum dos dois ia convencer o outro de qualquer coisa, dei de ombros, peguei meus pedidos de exame e fui embora.

Mas a frase "Estado, quanto menos, melhor" ficou na minha cabeça. Porque, nos últimos anos, muito mais gente além do meu urologista (e gente de nível socioeconômico e educacional tão alto quanto o do meu urologista) tem reafirmado com força sua crença nas virtudes do Estado Mínimo e as maldades que um governo com mais poder sobre a ordem social e econômica podem perpetrar. Mas de onde vem essa ideia de que menos governo é melhor para todo mundo, e mais governo só é melhor para quem governa? Foi comprovada, em algum lugar, por alguém?

A primeira defesa do livre mercado frente à intervenção estatal é, sabidamente, a metáfora da mão invisível de Adam Smith em A Riqueza das Nações. Embora seja considerado o pai da Economia, é preciso ter em mente as pretensões de Smith como filósofo moral, de modo que seu raciocíno acerca do benefício mútuo das ações individuais egoístas pode ser entendido não só como uma abstração do funcionamento do capitalismo (que ademais ainda estava em seus primórdios) mas antes como uma defesa da liberdade do indivíduo comum (que formavam a burguesia comercial, à época) contra as amarras impostas pelo nobres do Antigo Regime (a aristocracia que era, então, sinônimo de governo). Assim, a "mão invisível" do mercado, neste momento, era um conceito filosófico que traduzia a confiança do seu criador na capacidade humana de se autogovernar, sem ter de recorrer - e se curvar - diante de gente que supostamente seria de um estamento superior, e que era, repito, o governo então existente.
E o conceito permaneceu assim, mais filosófico que econômico, por quase todo o século XIX, até que, literalmente, um espectro rondou a Europa - o espectro do comunismo.
No campo teórico, Marx e seus seguidores criaram uma ciência do devir histórico e preveram o fim do capitalismo, como base numa análise diacrônica do surgimento, evolução e declínio dos modos de produção. Os tubarões (nesse tempo, da indústria) tinham diante de si um edifício teórico que além de expor sua condição inevitavelmente insustentável, dava combustível ideológico para as revoltas proletárias, e justificando (para estes tubarões) a estatização dos meios de produção - o que viria acontecer na URSS, a partir de 1917. Era preciso fazer alguma coisa.
Ora, já que a crítica ao capitalismo se apropriou da História para construir seu argumento, a defesa do capital foi buscar socorro em outra disciplina da educacão básica: a Matemática (e a Física).
A formalização da Ciência Econômica ainda era incipiente no início do século XX, mas como os comunistas já tinham uma teoria bem montada para fundamentar seu ponto de vista, um esforço concentrado com o objetivo de fornecer à economia burguesa uma base equivalente foi realizado: apropriou-se da mão invisível filosófica de Adam Smith e tentou-se provar, matematicamente, a sua  existência. Não foi um trabalho simples, e quase oito décadas se passaram entre a primeira tentativa (Walras) e o modelo mais bem acabado (Arrow-Debreu). Felizmente, a tempo de participar da Guerra Fria e resmungar contra o viés centralizador do keynesianismo. Quando este se esgotou e aquela foi vencida pelo Ocidente, o mundo se abriu para a crença neoliberal, e seu equilíbrio geral de origem microeconômica, no qual o governo só entra para atrapalhar.

Prestemos atenção na metamorfose dos usos de um conceito através do tempo: a mão invisível, uma defesa do direito moral da liberdade individual contra a estrutura social rígida imposta pelos governamentes do Antigo Regime; dali, para a "Teoria Geral do Equilíbrio" um modelo matemático mais afim com  Matemática Pura e com a Física Teórica que com a realidade dos mercados, desenvolvido para justificar o combate à natureza anti-propriedade privada (logo, estatizante) do comunismo; mais adiante, como a única forma "verdadeira" de se conduzir a economia (e, forçosamente, a política) tendo em vista o "fim das ideologias", como disse Fukuyama. Forma essa marcada pelas privatizações, pela flexibilização das relações de trabalho, e pelo enxugamento dos gastos públicos. Daí, para a boca do meu urologista: "Estado, quanto menos, melhor".

É definitivamente a história de um triunfo, mas não um triunfo de um conhecimento científicamente comprovado de qual deve ser o papel do Estado na economia, sobre todas as ideologias e engenharias sociais. É o triunfo de uma ideologia sobre outras ideologias, pois foi uma luta que não ocorreu num campo de batalha empírico (qual foi ou é o país 100% liberal/libertário?) mas num plano teórico em que - veja bem, caixa alta: a IDEIA vencedora se aproveitou de uma realidade que  pouco ajudou a construir, para explicar a ela e justificar a si, num movimento a posteriori.

Quando, então, alguém perto de mim brada por menos Estado, consigo ouvir o pedido por um mundo de oportunidades idênticas e sem distinções de berço, como queria Adam Smith. Acontece que, desde que se cortaram algumas cabeças coroadas lá no final do século XVIII, o Estado deixou de ser propriedade dos governantes e passou a ser instrumento, e poucas foram as reais melhorias na vida das pessoas que não foram realizadas por intermédio dele. Se A Riqueza das Nações (o tratado moral, já que a economia se tornou ilegível para não economistas nos dias atuais) fosse escrito hoje, creio eu, seu autor pediria um Estado melhor, e não menor.

terça-feira, 14 de abril de 2015

Vai pra Guatemala!

Dias atrás, postei um vídeo aqui, de um discurso da cientista política guatemalteca Glória Alvarez (que semana passada estava no Brasil, tendo inclusive subido no trio elétrico do protesto antigoverno em São Paulo), sobre os males do populismo na América Latina e de como a tecnologia poderia ser utilizada para superá-lo. Elogiei a coerência e a fundamentação de seus argumentos, ressalvando que não concordava com o conteúdo, mas com a forma bem feita com que foram apresentados, se comparado com seus pares nacionais. Também apontei uma possível incongruência no seu raciocínio e prometi (a mim mesmo) pensar melhor sobre o  assunto,  voltando ao tema quando chegasse a alguma conclusão.
Pois bem. Revendo seu discurso com calma, se seria exagero afirmar que estou decepcionado com Alvarez, devo dizer que parte do encanto se foi. Ela repete, não raro, a mesma ladainha libertária, floreada com ideais republicanos que resultam numa mistura marcada por aquela incongruência que me incomodava mas que ainda não tinha atinado perfeitamente.
Para confirmar minha impressão, procurei algum artigo dela com perfil mais acadêmico - não por elitismo intelectual boboca que considere o "reconhecimento da comunidade científica" como essencial,  mas num esforço de tentar encontrar, num texto que teoricamente é elaborado com objetivo menos político (se é que isso é possível, ou mesmo desejável) uma explicação mais organizada das ideias que seu discurso apresenta. Não tendo sucesso, sou obrigado a me ater ao já citado vídeo (que ademais foi a que a tornou famosa no Brasil) bem como outras entrevistas e aparições na mídia.
A meu ver, a proposta política de Glória Alvarez - "desmantelar o populismo através da tecnologia" - peca em suas premissas teóricas, na maneira como essas premissas são articuladas e, o mais grave, em suas propostas práticas.
Nas premissas, ela erra tanto na definição de "populismo" quanto na de "republicanismo".
Erra no primeiro porque recorta o populismo que lhe convém - aquele, segundo ela, surgido depois de queda do Muro de Berlim como uma tábua de salvação dos comunistas então órfãos da URSS e que viria, na América Latina de vinte anos depois,  autointitular-se bolivarianismo. Deixa de lado uma longa tradição populista no subcontinente, que remonta ao Getulismo e ao Peronismo, bem como perde a oportunidade de se perguntar se ele ocorre ou não em outros lugares do mundo. Muito embora ela tenha consciência e deixe claro que o populismo ocorre tanto em governos de direita quanto de esquerda (o que a faz questionar a validade dessa separação, na AL  dos dias atuais) o significado que Alvarez dá ao termo populismo, no entanto, acaba enviesado pela herança socialista que ela lhe dá - e isso fará toda a diferença em suas conclusões.
E erra no segundo porque define República da forma que, verdade seja dita, só existe na cabeça dela. De uma confusa mistura entre direitos naturais e o governo misto de Aristóteles e Políbio, chega a uma República que se estrutura numa ordem institucional para a defesa dos direitos individuais (à vida, à liberdade e à propriedade) e nada mais, ignorando alguns dos aspectos mais importantes do republicanismo contemporâneo: o  engajamento cívico, o sentido do bem comum, a responsabilidade coletiva, entre outros. Assim,  da mesma forma que colou o populismo ao socialismo (e à esquerda em geral) cola a República ao Liberalismo (que é na AL uma das vertentes da direita), de modo que aquele torna-se defesa deste quando deveria ser sua alternativa.
Da definição equivocada dos termos só poderia decorrer, quando da interação entre eles, um equívoco ainda maior. Alvarez propõe que a República (a sua República, fundamentada no liberalismo) possa superar os males causadores do e causados pelo Populismo (que para ela é roupa nova do imperador comunista). Dessa forma, aglutina todo e qualquer projeto político que envolva distribuição de renda  como populista e perpetuador dos ciclos de pobreza, ciclos esses só passíveis de serem rompidos pela educação republicana, que, nesse caso, tem a ver com o apoio irrestrito à instituições que, como se sabe, em geral atuam como mecanismos de manutenção do status quo, ainda mais em sociedades pautadas pelo interesse individual - que é o que ela prega.
E então fica fácil explicar como um discurso repleto de referências eruditas descamba no habitual preconceito de senso comum: a de que a miséria econômica dos pobres latinoamericanos, aliada à sua miséria intelectual (a falta de educação) levaria essas pessoas a incapacidade de compreender tanto as causas de sua desgraça quanto os meios para se livrar dela, caindo, por ignorância e fome, nas garras dos "protetores" que a política populista fornece. Ora, a questão é mais complicada que isso: o eleitor de classe média, mais letrado e nutrido, vota contra seus interesses em  favor de "ideais republicanos"? A elite das elites do capitalismo atual, os banqueiros, canalizam seu apoio para projetos políticos unicamente por ideologia, sem sequer pensar nos seus lucros? Por que só o autointeresse imediatista dos pobres é falta de educação?  Por que só dos pobres exige-se que se sofra (ainda mais) no presente para ter, quem sabe, algum lucro no futuro? Dois séculos de democracia representativa retiraram o debate racional do processo político (se é que um dia ele foi dominante) e o substituíram pelas paixões insufladas pelos marqueteiros, e esse fenômeno ocorreu de alto a baixo da pirâmide social.
Por isso, o projeto político de Alvarez,  em que uma "primavera latinoamericana" surge da insurreição de um povo politizado pelo Facebook contra seus déspotas benevolentes, é falho. Do começo ao fim. E é falho não por ela desconhecer a real natureza do problema: em determinado momento de seu discurso, ela afirma, com grande lucidez, que o acesso satisfatório a direitos como saúde e educação dependem de "uma renúncia prévia dos direitos de propriedade de alguém" para serem garantidos. Seu principal erro está em não reconhecer os pobres como debatedores tão racionais e conscientes de seus interesses como qualquer outro estrato social, mas de achar que eles precisam ser educados para isso - e educar, nesse caso, não me parece nada mais do que doutrinar um exército de pobres de direita.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Gloria Alvarez e a quase esquecida virtude de aprender com a discordância

Estava varejando na lama, em busca de vida inteligente na direita brasileira, e esbarrei nessa moça. Inteligente, articulada, fundamentada - e guatemalteca...

 Esse é um vídeo  - e uma pessoa -  com quem o pessoal que já está escolhendo seu modelito verde e amarelo para o dia 12 deveria procurar se informar, e não com os Lobões, Gentilis e Carvalhos da vida. Não concordo com ela, mas a respeito e pretendo ficar atento.

 (EM TEMPO: me parece que ela faz uma mistura um tanto confusa entre liberalismo e republicanismo; preciso estudar melhor o referencial teórico que ela utiliza, no entanto. Além disso, a negação pura e simples de políticas sociais como mero instrumento populista me soa um tanto ingênuo).

terça-feira, 7 de abril de 2015

O Retorno

E eis que, depois de alguns anos, finalmente retorno. Confesso que fiquei espantado (e animado) com número de visualizações deste blog, que possui apenas três postagens. O espanto já passou, mas a animação, não.

 Prometo - E DESSA VEZ VOU CUMPRIR, ACREDITEM - material novo muito em breve.